quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Luís Fernando Veríssimo - Convenções













Luis Fernando Verissimo (Porto Alegre, 26 de setembro de 1936) é um escritorbrasileiro. Mais conhecido por suas crônicas e textos de humor, mais precisamente de sátiras de costumes, publicados diariamente em vários jornais brasileiros, Verissimo é também cartunista e tradutor, além de roteirista de televisão, autor de teatro eromancista bissexto. Já foi publicitário e copy desk de jornal. É ainda músico, tendo tocado saxofone em alguns conjuntos. Com mais de 60 títulos publicados, é um dos mais populares escritores brasileiros contemporâneos. É filho do também escritor Erico Verissimo.


Convenções

A classe média é uma terra estranha.


A Mirtes não se aguentou e contou para a Lurdes:
- Viram teu marido entrando num motel.
A Lurdes abriu a boca e arregalou os olhos. Ficou assim, uma estátua do espanto, durante um minuto, um minuto e meio. Depois pediu detalhes. Quando? Onde? Com quem?
- Ontem. No Discretissimu's.
- Com quem? Com quem?
- Isso eu não sei.
- Mas como? Era alta? Magra? Loira? Puxava de uma perna?
- Não sei, Lu.
- O Carlos Alberto me paga. Ah, me paga.
Quando o Carlos Alberto chegou em casa, a Lurdes anunciou que iria deixá-lo. E contou por quê.
- Mas que história é essa, Lurdes? Você sabe quem era mulher que estava comigo no motel. Era você.
- Pois é. Maldita hora em que eu aceitei ir. Discretissimu's! Toda a cidade ficou sabendo. Ainda bem que não me identificaram.
- Pois então?
- Pois então que eu tenho que deixar você. Não vê? É o que todas as minhas amigas esperam que eu faça. Não sou mulher de ser enganada pelo marido e não reagir.
- Mas você não foi enganada. Quem estava comigo era você!
- Mas elas não sabem disso!
- Eu não acredito Lurdes. Você vai desmanchar nosso casamento por isso? Por uma convenção?
- Vou.
Mais tarde, quando a Lurdes estava saindo de casa, com as malas, o Carlos Alberto a interceptou. Estava sombrio.
- Acabo de receber um telefonema - disse. - Era o Dico.
- O que ele queria?
- Fez mil rodeios, mas acabou me contando. Disse que, como meu amigo, tinha que contar.
- O quê?
- Você foi vista saindo do Motel Discretissimu's ontem, com um homem.
- O homem era você.
- Eu sei, mas eu não fui identificado.
- Você não disse que era você?
- O quê? Para que os meus melhores amigos pensem que eu vou a motel com a minha própria mulher?
- E então?
- Desculpe, Lurdes, mas...
- O quê?
- Vou ter que te dar um tiro.


Edgar Allan Poe - O Corvo

Edgar Allan Poe um dos maiores autores de contos de terror. Em suas obra ele utiliza uma espécie de terror psicológico, seus personagens oscilam entre a lucidez e a loucura, quase sempre cometendo atos infames ou sofrendo de alguma doença. Seus contos são sempre narrados na primeira pessoa. O Corvo um de seus maiores classicos, é um poema escrito originalmente em inglês. Aqui traduzido por Fernando Pessoa.
  

O CORVO 
(de Edgar Allan Poe) 

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos seus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigos, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureira dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna à noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
E a minhalma dessa sombra que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á... nunca mais!

Tradução de Fernando Pessoa

Uma Breve Introdução ao Conto

O conto é a forma narrativa, em prosa, de menor extensão. Entre suas principais características, estão a concisão, a precisão, a densidade, a unidade de efeito ou impressão total – da qual falava Poe (1809-1849) e Tchekhov (1860-1904): o conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita excitação e emotividade. Ao escritor de contos dá-se o nome de contista.

Muitas vezes o conto é tido como uma literatura fácil, secundária, menor. Nem sempre esse gênero tem a valorização que merece. Mas como meu favorito, digo, que este se mostra dentro da literatura, como um dos gêneros que mais proporcionam leituras agradáveis e criativas.

Veja o que pensava Mempo Giardinelli: "Sustento sempre que o conto é o gênero literário mais moderno e que maior vitalidade possui, pela simples razão que as pessoas jamais deixarão de contar o que se passa, nem de interessar-se pelo que lhes contam bem contado".

Machado de Assis também não achava fácil escrever contos: "É gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade", (citado por Nádia Battella Gotlib em Teoria do Conto).

Faulkner (1897-1962) pensava da mesma maneira: "… quando seriamente explorada, a história curta é a mais difícil e a mais disciplinada forma de escrever prosa… Num romance, pode o escritor ser mais descuidado e deixar escórias e superfluidades, que seriam descartáveis. Mas num conto… quase todas as palavras devem estar em seus lugares exatos", (citado por R. Magalhães Júnior em A arte do conto).

Por fim, que possamos lhe proporcionar leituras agradáveis. Entre os clássicos e desconhecidos, vamos compartilhar o melhor desse gênero sensacional da literatura.